Há algum tempo o marketing relacionado à causa social (MRC) deixou de ser um tema exclusivo do terceiro setor. Pelo contrário, hoje o MRC é inclusive apontado como uma das grandes tendências do Marketing¹. 

Mesmo antes da pandemia que estamos passando, a preocupação com diversos temas socioambientais, ano após ano, têm ganhado cada vez mais aderência globalmente. A busca dos consumidores por um estilo de vida melhor, e por opções mais saudáveis e sustentáveis, é uma realidade crescente. 

Exemplo disto são os resultados de um recente estudo global² da Nielsen, em que 81% dos entrevistados em todo mundo afirmaram acreditar fortemente que as empresas devem contribuir para melhorar o meio ambiente. E o interessante é que esta percepção é compartilhada entre gerações: 

Fonte: The Conference Board® Global Consumer Confidence Survey, conduzido em colaboração com Nielsen Q2 2017

E o Brasil acompanha este movimento: está entre os 10 países onde os consumidores mais demandam que as empresas implementem ações de sustentabilidade, com 94% de incidência:

Fonte: The Conference Board® Global Consumer Confidence Survey, conduzido em colaboração com Nielsen Q2 2017

Somado a este fato, e paralelo à questão ambiental, outros temas que impactam a sociedade como diversidade de gênero, questões étnico-raciais, fome e educação, por exemplo, estão conquistando corpo e voz entre a população. 

Diante desta nova era, em que cada vez mais as pessoas buscam obter e compartilhar informações, pesquisam mais antes de consumir e estão de fato contribuindo mais para sociedade³. Há também uma expectativa de que as marcas as acompanhem nesta jornada. Segundo Philip Haid, Co-fundador & CEO da Public (agência e incubadora de marketing de causa) , “No mundo de hoje, as linhas entre cidadãos e consumidores, valores/ crenças e marcas, estão se fundindo. Espera-se que as empresas hoje se alinhem com seus valores em palavras e ações.4” 

Em outras palavras, ser uma empresa socialmente responsável e engajada saiu do patamar de ser um “diferencial” para se tornar essencial. 

E as empresas, principalmente nos últimos cinco anos, diante da percepção deste novo consumidor, também estão evoluindo, não somente no discurso, mas assumindo posicionamentos e compromissos legítimos de responsabilidade socioambiental. Globalmente observa-se um maior investimento do setor privado em causas sociais – para se ter uma ideia, somente no Brasil, entre 2007 e 2018, houve um incremento de 17% de investimentos do setor privado em projetos sociais 5 :

Evolução Investimento Social Corporativo

Fonte: BISC2019

De fato, investir em marketing social pode realmente ser uma oportunidade tanto para as marcas construírem ou fortalecerem sua reputação e conexão com seus consumidores, quanto para elevarem seu valor de mercado. 

Dados do último estudo global da Edelman Earned Brand (2018)6 mostram que 69% dos consumidores estão dispostos a comprar (ou não) uma marca em virtude de seu posicionamento, um aumento de 23% em relação a 2017, e cerca de 68% consideram o posicionamento de uma marca ao consumir um produto ou serviço. 

Em relação ao valor tangível de marca, este caminho também pode ser positivo, e a carteira ISE B3 7 (Índice de Sustentabilidade Empresarial – ferramenta que analisa a performance das empresas listada na B3 – bolsa de valores do Brasil – que seguem princípios de gestão social responsável e sustentável) é um bom exemplo disto: no fechamento de Nov/2019, a carteira representava 37,62% do total do valor de mercado das companhias com ações negociadas na B3, além disso, desde sua criação em 2005, esta carteira também apresentou melhor performance comparado ao Ibovespa: +266,19% ISE vs +235,43% Ibovespa. 

Contudo, a decisão de executar MRC pode ser desafiador e arriscado se não houver uma boa estratégia e execução. Por isso é importante atentar-se a alguns pontos importantes antes de dar este passo:

  • Legitimidade: A escolha de uma causa por uma empresa precisa estar alinhada com seus próprios valores. Os consumidores são antenados e conseguem facilmente identificar quando uma causa não tem fit ou aderência com a marca
  • Ser coerente com seu público: Avaliar se a causa é de interesse e gera identificação com os consumidores da marca pode facilitar a percepção de relevância e engajamento 
  • Definir KPIs e métricas para mensurar a efetividade da ação ao longo do tempo: Identificar e monitorar entre os públicos de interesse (stakeholders, consumidor, instituição parceira) quais são os resultados esperados é fundamental para definir quais métricas devem ser mensuradas (Ex: Valor de mercado, Brand Equity, Atributos de Posicionamento, Índices de doação ou Participação em ações específicas etc) 
  • Comunicar de forma assertiva os valores e crenças da empresa, além das ações apoiadas: A comunicação pode ser uma ferramenta poderosa para divulgar os valores e causas apoiadas por uma empresa, além de ser um meio que pode impactar a mudança de comportamento do consumidor. Por isso é importante avaliar e garantir que a execução da comunicação seja efetiva. Estudos de validação da Nielsen Consumer Neuroscience 8 mostram que comunicações efetivas têm correlação de pelo menos 80% com métricas de performance de mercado, inclusive comunicações de marketing relacionado a causa. 

Exemplo disto é o resultado de um pré-teste de campanha pró-bono realizado pela Nielsen Neuro para o Hospital Pequeno Príncipe de Curitiba em 2019. A campanha, veiculada durante o período de arrecadação de Imposto de Renda, tinha os objetivos de elevar a conscientização da população sobre os benefícios da doação e incentivar os contribuintes a doarem através do Imposto de Renda. 

Após o pré-teste, a agência parceira do Instituto realizou as otimizações recomendadas e a campanha foi veiculada principalmente em canais digitais segmentados ao público-alvo. Como resultado, o índice de novos doadores entre 2018 e 2019 teve um incremento de 27,46% e o total arrecadado em contribuições foi 26,80% maior. 

Além da efetividade da campanha, o plano de mídia segmentado corretamente também contribuiu para o resultado, visto que, segundo dados da área de Digital da Nielsen Brasil, a campanha atingiu 83% do target correto. 

Campanha 2019 – Hospital Pequeno Príncipe

Fonte: Nielsen Consumer Neuroscience

 E o que esperar deste consumidor mais consciente e politizado e das marcas pós Covid-19? 

O mundo está passando por um processo transformador em várias vertentes e não será o mesmo após 2020. Com isso, algumas perguntas se abrem para reflexão: Quais serão as lições apreendidas pela população com o isolamento, a crise econômica e demais questões sociais envolvidas? Quais serão os novos valores e crenças dos consumidores após a pandemia? 

E por outro lado, como as empresas – independente do setor – se posicionarão em relação a seus valores e protagonismo de apoio à causas humanitárias e ambientais?

Desde o início da pandemia no Brasil, muitas empresas já têm se destacado em ações sociais importantes em prol de comunidades e áreas da saúde pelo país. Por exemplo, alguns players da indústria e do varejo iniciaram suas contribuições produzindo garrafas de álcool gel para distribuição gratuita, doando produtos ou direcionando recursos para áreas e profissionais de saúde e, até mesmo, construindo leitos em parceria com hospitais e prefeituras . Os principais bancos do país também assumiram uma postura colaborativa, prorrogando o pagamento de dívidas durante este período. Da mesma forma, vemos tantas outras, representando mercados distintos, que têm se dedicado a oferecer acesso a serviços gratuitos à população durante a pandemia, como por exemplo, canais de TV, operadoras, instituições de ensino. 

Indo além, há ainda marcas reforçando seu posicionamento solidário e empático, como a Vogue Itália, que no último dia 10 de abril, pela primeira vez em 100 anos, publicou uma capa em branco, com um texto emocionante sobre respeito e renovação. 

Ainda que haja muitas perguntas em aberto sobre a “nova normalidade” após período, ele certamente impactará o ritmo das tendências que já eram observadas, entre elas, a expectativa para que as empresas se adaptem às novas demandas e assumam uma postura mais responsável relação à sociedade e ao meio ambiente. E, neste sentido, as empresas que não pensarem “fora da caixa” para se adaptar, e de forma legítima se engajarem em ações sociais, provavelmente terão mais desafios para se recuperarem ou estabelecerem nesta nova sociedade que está a caminho. 

Por Aline Souza
Gerente Comercial de Neurociência da Nielsen Brasil

15 anos em Pesquisa de Mercado e Consumer Insights, atendendo grandes clientes em Trackings (estudos contínuos), estudos de posicionamento de Marca e efetividade de Comunicação, desde o planejamento até a entrega final, incluindo apresentações e treinamentos em clientes.
Experiência em diversas metodologias como: Neurociência para avaliação de Marca e Comunicação, Hábitos e Atitudes do Consumidor, Estudos Digitais, Social Listening & Analytics, Estudos de Satisfação e projetos Ad-Hocs.
Atendimento a uma ampla variedade de segmentos como HPC, Setores de Beleza e Cosméticos, Financeiro, Varejo, FMCG, Telecom e Automotivo.
Antes de trabalhar na Nielsen, Aline trabalhou para a Kantar Millward Brown, Ipsos e Kantar TNS.
Formação acadêmica: Bacharel em Propaganda e Marketing pela Fundação Cásper Líbero e MBA em Marketing pela PUC-SP.

Instagram: @projetomaisdetrinta 

+55 11 98231-6767

LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/alinecns/

Referências:

Webinar 2020 Nielsen Neuro | Marcas com Propósito 

1 https://brogan.com/blog/what-marketers-can-expect-2019-cause-marketing

2 The Conference Board® Global Consumer Confidence Survey, conducted in collaboration with Nielsen Q2 2017 

3 https://www.idis.org.br/as-novas-geracoes-de-brasileiros-sao-mais-engajadas-e-doam-mais/ e https://www.nielsen.com/br/pt/insights/article/2019/brasileiros-estao-cada-vez-mais-sustentaveis-e-conscientes/ 

4 https://www.fastcompany.com/40520998/social-impact-branding-isnt-going-anywhere-this-year-and-neither-are-the-gaffes  

5 Pesquisa BISC 2019 – Comunitas 

6 Estudo Global Edelman Earned Brand 2018 https://www.edelman.com.br/estudos/earned-brand-2018  

7 ISE B3 -: http://iseb3.com.br/o-que-e-o-ise 

8 Nielsen Consumer Neuroscience – Case Study: Optimizing Sensitive Communication.pdf