Lembro da primeira vez em que ouvi o termo “scrum” há alguns anos, quando participei de um projeto de desenvolvimento de um crawler de preços para o e-commerce. O que esperar daquele produto estava claríssimo para mim pois a necessidade do dia a dia gritava e o ganho para a rotina era óbvio. Numa das primeiras reuniões para contratação de um fornecedor para desenvolver, o responsável técnico do nosso lado fez a seguinte pergunta:

“Qual a metodologia de desenvolvimento que vocês utilizam?”

O fornecedor pleiteante respondeu: “Usamos scrum”. No melhor estilo miss Brasil, sorri e acenei, mas assim que saí da sala de reunião, fui pesquisar o termo. Acabei chegando no livro abaixo (vou colocar a capa e não o link de algum site para não favorecer nenhum varejista em específico, mas recomendo fortemente a leitura) e este foi o começo de muita leitura, curiosidade e encantamento com as metodologias ágeis.

Uma imagem contendo placa, pare, comida, tráfego

Descrição gerada automaticamente

Participei de algumas cerimônias com o time de desenvolvimento e fui aprendendo as terminologias utilizadas, o que significava cada um daqueles momentos de time, o papel de cada um naquilo e a maneira como as coisas aconteciam – quase sempre – como numa esteira perfeita ou engrenagem, e quando não funcionavam, como o time se reorganizava para resolver os impedimentos.

À frente de um time estratégico, porém com grandes atividades operacionais, identifiquei uma oportunidade enorme de ganho de cadência, otimização, autonomia, sinergia e colaboração entre minha equipe caso eu conseguisse transpor aqueles conceitos para a nossa rotina. Assim, no empirismo, muitas leituras e honestamente sem ter nenhum plano muito concreto do que fazer ou esperar desta mudança, iniciei a “jornada ágil” numa área sem nenhuma relação com P&D ou Engenharia, e compartilho com vocês alguns tópicos de aprendizado caso estejam neste momento de descoberta de uma nova maneira de organizar times, rotinas, tarefas e papéis.

  1. Líder: desapegue do poder

Quanto mais você centralizar as ações – e decisões – do time, mais lento serão o seu desempenho e as suas entregas. Não desenvolvíamos produtos, mas naquela época trabalhávamos contra o relógio, com entregas na rotina com data e hora marcada, sob risco de grande perda financeira. Se a cada movimento, o time precisasse me consultar ou ter meu ok para avançar, o risco de não entregar no prazo era altíssimo. Desenvolva seu time para que saibam trabalhar com autonomia e com a tão desejada, mas nem sempre bem direcionada, liberdade. É claro que algumas decisões e ações seguirão sendo de sua atribuição, não delegáveis, mas certifique-se que fique em sua alçada somente o que depende exclusivamente de você. Mais uma lição das metodologias ágeis e dos agile e scrum masters que serve para líderes de qualquer tipo de time é: atue como um facilitador para o trabalho da sua equipe, desfaça impedimentos, retire bloqueios.

  1. Comunique para o mundo e não para você

Nos treinamentos de novos colaboradores que ministro, eu sempre compartilho um vídeo de um pai ensinando ao filho sobre como dar instruções para fazer um sanduíche (https://www.youtube.com/watch?v=pdhqwbUWf4U). São novas pessoas, chegando num novo lugar, com engrenagens complexas entre as áreas e os mais diversos perfis de pessoas nos relacionamentos que a rotina do trabalho pede. E a comunicação é o grande fluido facilitador para que tudo gire bem. O ponto é que para muitos, desde que algo esteja claro para si ou um determinado grupo, no geral, o grupo a que pertence, acredita-se ser o bastante. Enquanto estamos dentro da nossa microcomunidade a comunicação tende a ser mais simples, porém a convivência é heterogênea, transdisciplinar e multicultural. Certifique-se que sua comunicação seja eficaz e faça a mensagem chegar facilmente e ser decodificada por aqueles que a recebem. Fazer um sanduíche pode ser uma tarefa simples para quem idealizou o sanduíche, mas quantas vezes o sabor ou a apresentação do prato não é exatamente da maneira que esperamos? A lição dada pelos Product Owners é: entenda a necessidade do outro, construa pontes, use a linguagem que aproxima e traduza para quantas tribos forem precisas, para cada uma, dentro do seu entendimento.

  1. Qual é o mínimo para entregar valor?

A era dos faraós acabou. O que quero dizer com isto é que a exuberância de algo majestoso, porém pouco prático, pode ser secundária a algo simples e funcional. Às vezes, a concepção platônica – e faraônica – de um projeto, produto ou plano não faz nada além do que nos atrasar ou, pior ainda, de nunca deixar algo potencialmente bom sair do papel. Devemos considerar que nunca antes na história da humanidade as coisas aconteceram e se desenvolveram com tanta rapidez, o que alimenta o fantasma da obsolescência, transformando em múmia o projeto que nem aconteceu. O que existe agora ainda nos atenderá em um ano? Em cinco? A lição deste tópico é fatiar. Você ainda tem em mente uma pirâmide de mármore, mas até chegar ao cume dourado, que é a última pecinha a ser colocada, o que você consegue ter de entrega de valor ao seu cliente final antes disto? Quando comecei a desenvolver relatórios gerenciais, a ansiedade de inserir quinze tabelas e noventa e dois gráficos, todos com informações quentes e maravilhosas, era enorme. Mas será que era preciso todo este conteúdo de início? Será que em algum momento, alguém realmente utilizaria toda aquela informação? Não existe proposta de valor se você não estiver atenta ao feedback dos seus clientes. Entregue uma tabela e um gráfico. Colete a opinião, identifique com os clientes qual é a expectativa de incremento sobre aquilo que já existe e construa junto enquanto isso.

  1. Visibilidade das tarefas do grupo

Quem não é visto, não é lembrado. Frase coringa para diversas situações, corporativas ou não. Mas a trago neste parágrafo para salientar a importância de deixar claro para todos qual trabalho está sendo feito pelo seu time, principalmente para o seu time. Uma boa organização das atividades, distribuídas e expostas de maneira transparente e de fácil acompanhamento transmite ao time horizontalidade e viabiliza o trabalho verdadeiramente colaborativo. Cada um sabe o que todos estão fazendo, podem trocar ideias e colaborar com atividades que não estejam necessariamente atribuídas e eles, mas que entendam que possam agregar. Além disso, fica claro tudo o que ainda há a fazer, tudo o que está sendo feito e tudo o que já foi concluído, tornando tangível e mensurável o esforço colocado naquele trabalho. Há diversas ferramentas que oferecem recursos de kanban, por exemplo (como o Trello, que possui inclusive versão gratuita para utilização). Você divide as etapas em colunas e adiciona cartões com atividades em cada uma delas. Estes cartões podem ser atribuídos a pessoas do time e sinalizados com etiquetas e outras marcações visuais que ajudam a dar senso de urgência, de pontos críticos ou de impedimentos. Além disso, gatilhos de data e prazo podem ser inseridos e acompanhados visualmente, facilitando a gestão e a auto-organização do time.

  1. A importância das cerimônias

Quando um time trabalha usando metodologias como o Scrum, há uma organização de eventos ou ciclos na rotina do time, no mais belo estilo prático de “Cotidiano”, do Chico Buarque. Quais são as suas agendas fixas hoje com seu time? De quanto em quanto tempo vocês se reúnem para falar sobre o que cada um está fazendo, para revisar entregas do último período trabalhado, para definir prioridades e tarefas de um próximo ciclo? Quando falamos em reunir o time todo para debater estas coisas, pode ocorrer mentalmente uma ideia de uma extensa reunião improdutiva – e aqui abominamos as famosas reuniões que poderiam ter sido um e-mail – e enfadonha. Porém com foco e clareza de propósito, você pode se reunir diariamente, por 15 minutos, e manter a comunicação alinhada dentro da equipe, identificar oportunidades ou pontos de atenção. Semanalmente, você pode ter uma agenda um pouco maior e se aprofundar em questões específicas ou trazer alinhamentos para o trabalho em andamento. Programe atividades para os próximos sete ou catorze dias e ao final deles, revisem juntos tudo o que foi feito, se faltou algo, se poderia ter sido melhor. Estas agendas não devem ser remarcadas, então encare com muita disciplina e colha os benefícios.

Separei estas pequenas lições para compartilhar pois me possibilitaram aplicar a essência da agilidade num time de Pricing no Varejo e na organização de processos de um time Comercial na Adquirência. Deixo um desafio para você: pense em que momentos do seu dia, dos projetos que estão contigo, que os conceitos ágeis possam ser aplicados. E inicie. Todos sabemos que é uma jornada transformadora e que por isto mesmo, exige aprendizado, tentativa e erro, adaptações e uma disposição para se revisar e traçar novos planos e rotas a qualquer momento. Mas em um mercado cada vez mais exigente e demandante dos ditos soft skills, este pode ser um exercício inestimável para nossa saúde profissional.

Karen Gallão é Gerente de Processos Comerciais no PagSeguro. Atuou na coordenação da área de Pricing Estratégico na Via Varejo, após a compra da Cnova, empresa que gerenciava os e-commerce de Ponto Frio, Casas Bahia e Extra. Atualmente, está no epicentro da guerra das maquininhas e da ascensão de contas digitais e mobile Money, sem deixar de atuar nos negócios próprios, algumas poesias e circulação ampla de memes.

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