Em 2020 tive uma crise, quase existencial, que trouxe à tona uma questão que assombra muitas pessoas, em especial as mulheres: a idade e o momento profissional.

Mesmo tendo uma longa carreira e uma trajetória que me traz muito orgulho, chegar aos 40 anos desencadeou algumas dúvidas e novas inseguranças. Durante meu percurso, já caí em muitos padrões de comportamento onde duvidava das minhas realizações e tinha receio de ser exposta com alguma vulnerabilidade, alguma falha e até incompetência. A síndrome do impostor(a) faz visita a todos nós em alguns momentos da vida, e para mim não foi diferente.

O ano passado já estava conturbado o suficiente com a pandemia chegando para nos tirar de qualquer zona de conforto. E assim, com as emoções à flor da pele, ficou latente um desejo de mudança, de fazer algo diferente, de permitir viver de fato novos desafios que não fosse andar de lado nas escolhas profissionais.

Por muitos momentos cheguei a pensar: “Por que não sou Head, Diretora ou VP de uma grande companhia?” “Se eu não tiver um desses títulos aos 40 anos, minha carreira tende a findar?” “O mercado de trabalho dita, de fato, que não somos mais úteis e importantes após essa idade se não tivermos um belo crachá?”

Ora, vamos concordar que tem muitas verdades nesse tema, mas eu não poderia ir contra o que acredito e espalho ao empoderar outras pessoas. Na minha simplista opinião quem tem título é eleitor e time de futebol, sendo assim a vida profissional não se resume a uma mini bio de LinkedIn, mas sim no legado que deixamos por onde a gente passa

Acho incrível e aplaudo de pé quem foca no mais alto ponto da montanha, escala arduamente e conquista seu mérito pouco importando o que ficou pelo caminho. São, muitas vezes, essas ambições que nos movem e nos mantêm vivos em busca dos nossos sonhos. Ainda olho para o monte e realmente são os picos que me atraem, mas, no entanto, não queria mais um título, queria um sacode na vida e um meio de utilizar os recursos provenientes do trabalho para realizar sonhos.

E mesmo perante as dificuldades do cenário econômico que a crise sanitária trouxe, eu tinha um sonho bem grande! Porém, para realizá-lo não estava disposta a abrir mão de outras coisas mais importantes que é ver meu filho crescer, participar do processo educacional dele, estar presente para meu marido e família! Foi então que no cálculo de perdas e ganhos, premissas e reflexões, e no meio do caos da pandemia, pedi demissão de uma grande multinacional onde tinha um bom cargo e um grande case.

Se a vida quer da gente coragem, eu disse sim imediatamente a uma nova oportunidade onde exerceria um desafio que nunca tive na vida: ser Executiva Comercial numa multinacional gigante, líder no seu segmento, dentro de um time de e-commerce recém-formado onde ninguém se conhecia presencialmente e com uma liderança feminina excepcional.

Glamour x Vida Real

Quem nunca se identificou com o “meme” de expectativa versus realidade que levante a mão (risos)! Faz parte da natureza humana romantizar todo e qualquer novo cenário, assim como também nos acompanha um frio na barriga pertinente a toda mudança de status quo.

Em linhas gerais, vislumbrei:

Expectativa: visitar várias operações e-commerce da minha carteira de clientes, de salto alto, levando meu conhecimento em business online e sendo sucesso absoluto!

Realidade: tive que aprender a negociar, desenvolver habilidades de cálculo, treinar resiliência, entender o que é margem, markup, DOH, estratégias de sell out, construir e estabelecer relacionamentos comerciais totalmente dentro de um âmbito virtual. Detalhe: de camiseta e moletom em casa mesmo!

Vale pontuar que muitas pessoas ao se depararem com essa reflexão, tendem ao arrependimento dando pesos para certo ou errado. No fundo, temos que ser realistas com nossa verdade e nos sentirmos confortáveis com nossas escolhas e decisões pois há quem faça transição de carreira por sobrevivência no mercado de trabalho assim como também há quem busque a transição para deixar de ser generalista e buscar um diferencial. O importante é fugir da ideia que desperdiçou suas experiências pois, na verdade, você está adquirindo muito mais.

Transição carregada de Novas Habilidades

Toda mudança de trabalho e empresa nos traz uma curva de aprendizado que, geralmente, leva 3 meses até que você compreenda tanto os processos quanto a cultura do lugar. Diante disso, posso afirmar categoricamente que foram 90 dias que afirmei que não conseguiria, que as pessoas estavam muito acima da minha capacidade e a vontade de desistir era diária.

Ao desabafar com uma grande amiga sobre um talento fora da curva que temos no time, disse a ela que jamais conseguiria atender tamanha expectativa. O que ela me disse foi um simples clichê que mudou totalmente minha visão: “A diferença entre ele e você, é que ele não desistiu!”.

A partir desse dia, entendi o processo e compreendi que novos aprendizados às vezes vêm de fórceps e que tirar a ansiedade e comparações passadas da frente, mudam completamente o resultado final. Com isso em mente, dia após dia, expectativa e realidade se misturam. De moletom e às vezes de salto em casa, ora maquiada e ora de coque na cabeça, fui batendo e superando todas as metas. Tanto as metas da empresa quanto as minhas.

Aprendi também com os mais jovens, desci degraus na humildade, respirei mais que falei, absorvi mais que ensinei e um ano depois dessa transição de carreira fui mais feliz profissionalmente do que poderia esperar. E para quem gosta de barra alta e régua lá em cima, como eu, foi incrível desconstruir a antiga profissional que estava já acostumada ao sucesso em escala para dar lugar a uma nova profissional que precisa se reinventar praticamente todos os dias.

Há saudade de tempos antigos, não há por que negar, mas é quase que a mesma sensação de lembranças que temos de infância. Lembranças que aquecem e que sabemos que foram importantes para a construção de nós como indivíduos e então profissionais.

Por isso levo como conselho para a vida o poema de Guimarães Rosa:

                                “O correr da vida embrulha tudo,

                                 a vida é assim: esquenta e esfria,

                     aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.

                                O que ela quer da gente é coragem.”

Calcula o risco de uma transição, se joga e vai. A sua capacidade de reinvenção é infinitamente maior que um mero fator numérico de idade. O resultado que lhe espera adiante pode, e vai, te surpreender muito positivamente! 

Ana Pio

Recém quarentona com mais de 15 anos de experiência em Ecommerce e Marketing Digital atuando em business online B2C, B2B e D2C ao longo da carreira.

Apaixonada por transformação cultural antes da digital, o propósito é conectar!

Pós-graduada em Comunicação e Marketing e Certificada como Especialista de Alta Performance, porém com a maior bagagem em Hands On!

Atualmente, Executiva em eCommerce na multinacional Reckitt e Embaixadora do Mulheres no Ecommerce.

LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/anapiosss/