O Dia Internacional da Igualdade Feminina é comemorado em 26 de agosto, em referência ao Documento Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinado na mesma data em 1789 na Revolução Francesa, atualizada em 10 de dezembro de 1948 justamente para incluir a igualdade de gênero:

“Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla.”

Porém, infelizmente apesar dessa conquista ainda continuamos sendo desrespeitadas.

Sofremos abusos de diversos tipos nas relações profissionais, pois muitos homens pensam ter o direito de passar do limite da cordialidade. Desde o mansplaining, como assédio moral e sexual como nos mostram esses relatos. Até quando?

Mariana Belini, Product Manager e Organizadora Startup Weekend Women, destaca que tem acontecido cada vez menos ao longo da sua trajetória porém “algumas vezes dou feedback sobre a postura indevida, mas várias vezes eles não entendem… e é tão cansativo e me sinto tão vulnerável, que às vezes não falo nada e só dou um chega pra lá”. E compartilha a sua história:

“Eu trabalho na área de TI e sempre tive homens me explicando coisas óbvias…Uma vez eu e uma colega estávamos em um Tech Talk e após a palestra estávamos no café e um outro colega homem nos abordou no café, elogiou termos ido no TechTalk, que era muito “técnico”, mas qualquer coisa ele poderia nos ajudar, sentar com a gente e explicar o que era um framework. Em outra ocasião, eu atuava como analista de dados e um colega começou a me explicar como funcionava um arquivo FTP. Mas a cereja do bolo foram dois homens em um evento me explicando o que era mansplaining, além de me interromperem cada palavra que eu dizia e não me deixarem me expressar. Nesse dia fui para o banheiro chorar de raiva, por que minha vontade era mandar eles pastarem. Depois quando eu estava calma eu mandei eles pastarem. E o pior é que em todos esses casos não eram homens babacas, sem caráter. Eram caras legais, que não faziam ideia do que estavam fazendo. Está tão enraizado que eles não conseguem ver.”

Paula*, Analista de e-commerce, 33 anos, RJ relata situações de assédio moral ocorridas em 2018 com um superior menos qualificado:

“Trabalhei por 2 anos em uma empresa de telefonia celular – essa empresa representa grandes marcas como Samsung e Motorola, além de ter loja própria de multimarcas. Fui contratada como analista de e-commerce para cuidar do marketplace da loja multimarcas.
O meu gerente tinha formação somente como consultor imobiliário e, pelo QI (quem indica, já que era amigo pessoal do sócio majoritário da empresa) se transformou em Gerente de E-commerce, ele sempre me solicitava relatórios que precisavam ser entregues para a diretoria com demonstração de resultados mas não me dava o devido crédito por ter feito o próprio trabalho. Os assédios começaram brandos com piadas racistas e homofóbicas. Quando comecei a questionar ele informando que aquele tipo de comentário não deveria ser feito em ambiente de trabalho começou o assédio de maneira agressiva. Ofensas, deboches e escárnio. O auge foi quando ele impôs que eu fizesse um trabalho efetivamente logístico, e para desenvolver o relatório solicitado eu precisava me concentrar. Neste dia em questão ele me ofendeu e gritou comigo na frente da equipe (um total de 5 pessoas + eu), me chamando de incompetente, imatura e disse que eu não tinha postura. Ofensas no geral foram direcionadas à mim como “burra”, “problemas para raciocinar”, “falta de maturidade”, entre outras coisas. Neste dia em questão, enviei uma reclamação formal via e-mail ao RH da empresa porém, a mais prejudicada foi eu que precisei me deslocar cerca de 20km do ponto inicial do meu trabalho pois a diretoria havia solicitado a minha transferência do escritório central e fui transferida para o CD em um bairro distante, enquanto o meu agressor continuava como Gerente de e-Commerce na empresa.
Este comportamento não era igual para todos já que eu tinha um companheiro de trabalho homem cis na mesma posição e o gerente não o tratava da mesma maneira”.

Segundo a pesquisa “Assédio Sexual no Trabalho”, realizado pela Talenses, consultoria em recrutamento, em maio de 2019 (acesse a íntegra aqui):

  • 34% das mulheres apontam que  Alguém já se valeu da condição de hierarquia para obter de você vantagem ou favorecimento sexual no trabalho.
  • Dessas 79% Relatam assédio sexual verbal 19% Relatam assédio sexual físico 2% Não especificaram.

Renata*, atualmente gerente de projetos de Curitiba, passou por duas situações repulsivas para dizer o mínimo, quando estava em começo de carreira como testadora:

“Bem, embora pareça inocente, mas num dos empregos quando comecei, o meu gestor vinha na minha mesa e sempre tinha uma desculpa para me mostrar algo no computador (na minha tela). Logo, eu estava com a mão no mouse, então vinha ele pegar por cima. Foram algumas vezes mas nunca dei moral e ele acabou parando.
Acho que o outro, digamos mais grave, foi uma vez, quando mais novinha, um dos sócios da empresa pediu para eu estender o horário pois havia dado um problema num cliente e precisava que eu testasse. Então, fiquei depois do horário enquanto o restante da equipe ia embora.

Eu estava numa sala sozinha e ele em outra (mas lado a lado), sempre conversando via chat para que pudéssemos resolver o problema do cliente. Quando deu certo, isso era umas 19:30, e ele ‘me dispensou’ e fui até o banheiro. Ao destrancar a porta do banheiro e abri-la, pra minha surpresa ele estava ali, parado em pé. Ele me empurrou para trás, pegando pelo pescoço e me deu um beijo na boca, “agradecendo” meu empenho e disponibilidade para resolver o problema com o cliente. Eu sai sem graça e fui embora. Na época, não contei a ninguém porque eu dependia do emprego para pagar a faculdade, e nem existia grupos de apoio como tanto temos hoje…No dia seguinte fui trabalhar normalmente e ele começou a mandar chats, mas eu cortei. Ele era casado inclusive. Nossa…só de lembrar me dá nojo”

Nossos direitos são aviltados diariamente. E como nós podemos lidar com isso de forma assertiva, sem ser taxada por grosseira, e demais termos pejorativos impublicáveis?

Pelo nosso posicionamento e resultados no trabalho já seria uma ótima forma de combater esse tipo de atitude misógina e intolerável, mas ainda sim não escapamos de certas situações, que de alguma forma colocam a nossa competência em cheque.

Nesse contexto nascem os grupos de mulheres empreendedoras onde podemos ser nós mesmas sem nos preocupar em sofrer abusos e assédios, é exatamente por isso que muitas mulheres e mães  abrem os seus negócios e com isso a carga de trabalho, mental e emocional só piora. Algumas vezes o mercado não respeita o fato da empreendedora também precisar cumprir seu papel de mãe, daí o grande engajamento das redes de Empreendedorismo Feminino e Materno, como o próprio Mulheres no E-commerce.

Por que os nossos direitos apesar de serem legitimados não são respeitados pela sociedade?

Eu não tenho essa resposta, mas como já disse Belchior, “apesar de tudo o que vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, é por isso que  mais de 70 anos depois de termos nossos direitos assegurados e aviltados, percebemos cada vez mais a importância da nossa luta contínua e de  espaços de fala exclusivos para nós, em busca de nos fortalecermos e quem sabe comemorar de verdade o Dia da Igualdade de Direitos da Mulher: quando formos respeitadas como iguais, nem inferiores, nem superiores a ninguém.

 * nomes trocados para preservar a identidade das entrevistadas a pedido dela

Por Joana D’arc Souza

Joana D’arc Souza é  CEO da Organize-se: escola de produtividade para mulheres empreendedoras, criadora do Método Produtividade Pessoal Integral, acredita que a Organização acontece de dentro para fora! Tem experiência teórica e prática como mentora e mãe de três.

@aorganizese

Linkedin: Joana D’arc Souza