Aposto que você leu à pergunta acima já esperando mais um daqueles textos que vai nos “jogar na cara” o nosso consumismo sem moderação e o quanto não estamos preocupados em salvar o planeta. Pois bem, esqueça.

Resolvi escrever este artigo, para falar sobre a mudança nos hábitos de consumo durante a pandemia, ou melhor, durante a “pãodemia” e, compartilhar com vocês um pouco dos meus estudos sobre economia comportamental, a vertente dentro dos estudos de economia que explica como o comportamento humano interfere nas decisões econômicas. 

Que os hábitos de consumo mudaram desde o início da pandemia não é mais novidade. A começar pelo local onde fazíamos nossas compras, sejam elas de supermercado, vestuário e até mesmo onde praticávamos exercício diariamente. O comércio varejista e outros tipos de estabelecimentos se viram de uma hora para a outra tendo que se preparar para atender a estas novas demandas, que são basicamente para conseguir fazer em casa e, de casa, o que antes era necessário, ou desejável, sair para executar.

O consumidor investiu em cuidados pessoais, entretenimento, praticidade na limpeza e conforto do lar, quando percebeu que a quarentena se estenderia. Há quem continue fazendo a contagem progressiva dos dias de isolamento, confesso que parei no segundo mês para não entrar em desespero.

Na primeira semana da quarentena, quando o isolamento já tinha sido adotado em algumas cidades brasileiras, a alta nas vendas do e-commerce foi de 100% em relação à semana anterior. Já na semana seguinte, esse aumento foi de 179% na comparação semanal. Depois, a alta foi de 161% na terceira semana, até chegar ao expressivo aumento de 387% na segunda semana de abril em relação à semana anterior. Vale chamar a atenção para a venda de snacks online. A comercialização de produtos como salgadinhos, chocolates e biscoitos, aumentou 722% durante a segunda semana de abril.

O perfil do consumidor mudou bastante. Se isolarmos as demandas originadas pela compra de máscaras protetoras e álcool gel, itens pouco ou quase nunca consumidos antes da pandemia, observamos o aumento relevante no crescimento de consumo de eletroportáteis como aspiradores de pó e fritadeiras elétricas, alimentação em geral (supermercados, restaurantes, etc), assim como a venda de equipamentos de ginástica, que cresceram 500% em vendas no mesmo período. Mas porque isso aconteceu?

A resposta para esta pergunta não parece ser de grande complexidade. Com a necessidade do isolamento forçado, as pessoas buscaram alternativas para manter ou pelo menos tentar minimizar os impactos em suas rotinas passando mais tempo dentro de casa. A gestão do tempo e organização das atividades, tiveram reflexo diretamente nas compras realizadas neste mesmo período. Nas primeiras semanas, quando ainda não se tinha certeza sobre o tempo exato que a quarentena duraria, o consumo de alimentos e bebidas em geral e equipamento de ginástica dominaram os rankings de compras pela internet. Aposto que você também fez parte do grupo da “pãodemia” e quase surtou quando descobriu que os supermercados não estavam preparados para atender a toda demanda de fermento para pão, não é mesmo?

Brincadeiras à parte, a busca por produtos que facilitam e possibilitam a realização de atividades que antes eram realizadas por prestadores de serviços, como salões de beleza por exemplo, também tiveram relevante incremento de vendas. A procura por itens de escritório, com boa parte das empresas adotando às pressas o modelo de home office, fez com que a demanda por este tipo de item aumentasse consideravelmente. Isso demonstra que o consumidor já está se preparando para a realidade de trabalho pós pandemia, onde passaremos mais tempo trabalhando de casa do que nos escritórios, como já divulgaram algumas organizações.

Com a mudança nos hábitos de se alimentar, se vestir e principalmente se relacionar, veio à demanda por novos consumos. A casa passou a ser o restaurante de domingo, a sala de reunião para tomada de decisões e o parque que você treinava com seu personal trainer. Novas habilidades foram aprendidas e as “adormecidas” foram colocadas à prova, como cozinhar em todas as refeições, ensinar matemática para o filho ou aprender a meditar.

As redes sociais também têm papel fundamental nas escolhas de compra durante o isolamento. Aumentamos em 40% o tempo que passamos navegando de uma rede para a outra (de 3 horas e 39 minutos para pouco mais de 5 horas). Ao ver imagens e vídeos de pessoas aparentemente felizes fazendo bolo, meditando ou fazendo exercício na mesma situação que a nossa, ou seja, isolados, mandamos um estímulo inconsciente para nosso cérebro que também precisamos disso para melhorar o nosso dia – está aí a demanda pelo fermento de pão e dos equipamentos de ginástica no começo da quarentena.

Com o passar do tempo e a percepção de prorrogação do isolamento, a ansiedade crescendo na mesma proporção da quantidade de dias em casa, as pessoas começaram a se programar melhor com suas compras com a finalidade de “guardar dinheiro” a respeito um futuro incerto. Uma pesquisa recente feita pela empresa de serviços de informação Boa Vista, revela que 78% dos consumidores tiveram algum impacto na renda mensal por conta do isolamento adotado durante a pandemia. Os itens supérfluos, que tiveram grande demanda no início da pandemia, passaram a ser secundários, priorizando novamente o crescimento das compras relacionadas à alimentação. 

Novos hábitos foram adquiridos, as pessoas se adaptaram e reaprenderam, porém, os antigos permanecem lá guardados, eles não foram eliminados. Percebemos que após a reabertura do comércio em algumas cidades, por exemplo, o “velho” hábito de “sair para comprar” voltou. Ou seja, essas pessoas não precisaram reaprender os velhos hábitos. Apesar da mudança forçada (pelo isolamento), o antigo hábito jamais havia ido embora. Lembra daquele ditado que diz: “andar de bicicleta é algo que a gente nunca esquece? ”, é a mais pura verdade.

Ainda assim, mesmo com a volta de velhos hábitos, acredito que teremos um novo comportamento de consumo daqui para a frente e termino o artigo com uma frase publicada recentemente pelo presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, Eduardo Terra que diz: “Está havendo uma mudança real de comportamento e empresas que conseguirem se relacionar bem com os clientes neste momento, terão uma grande vantagem no pós-crise”.

Por Aline Toledo Costa

Experiência profissional de 13 anos no setor financeiro com foco em meios de pagamentos.

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