Como as adversidades transformaram a forma como enxergo meu negócio.

Quando decidi transformar minha carreira e empreender em outro país, sabia que iria lidar com os desafios emocionais que englobam qualquer processo de imigração, como a saudade de casa, da família e dos amigos; mas não podia imaginar que enfrentaria uma pandemia global e um furto do material de trabalho, que me fariam pensar em desistir tantas vezes.

Em 2017, depois de uma viagem para pedalar na Itália, meu esposo e eu começamos a nutrir um sonho de viver uma vida com mais propósito e decidimos trocar o mundo corporativo pelo empreendedorismo no turismo. Criamos a Solaz Cycling Club (@solaz_cc), uma empresa de cicloturismo em Portugal. O local foi escolhido pela facilidade da língua, pela segurança do país e pelo clima favorável ao ciclismo o ano todo.

Grasi e Fabio no marco final da Estrada Nacional 2 em Portugal – pedalaram mais de 740 KM de Norte à Sul do país.

Foram dois anos de planejamento e, em Julho de 2019, quando saímos do Brasil, deixamos carreiras promissoras numa grande instituição financeira. Estávamos acostumados com uma realidade de projetos com orçamentos altos e uma marca confiável que atraia o cliente até o produto. 

Quando se deixa de falar em nome de uma grande marca, não tem mais um logo famoso ao lado da sua assinatura de e-mails, e passa a representar a si mesma, as coisas mudam demais. E nenhum podcast ou artigo sobre empreendedorismo que eu tenha lido me prepararam para essa realidade.

Na nossa cabeça, iríamos criar os roteiros de ciclismo por Portugal, viajando pelo país, colocaríamos os roteiros no meu site e as vendas dos pacotes começariam a acontecer. Contatamos agências de viagens, clubes de ciclismo que conhecíamos no Brasil, tentando parcerias e fechar grupos de viagens, mas o resultado não foi bem esse. O impacto de não receber respostas, de não ter nenhum feedback, na minha autoestima foi maior do que imaginava. 

As coisas não aconteciam na velocidade que estávamos acostumados, os clientes não apareciam. Nos questionamos muito sobre as decisões de vida que havíamos tomado e sobre nossas competências para gerir um negócio próprio.

Grasi e Fabio na Serra da Arrábida. Foi nessa região que foram furtados, mas o amor pela Serra será sempre maior.

Tudo isso aconteceu com seis meses de Solaz. Sim, seis meses. Estávamos tão imersos numa cultura imediatista, de que tudo é pra ontem, urgente, que não sabíamos lidar com as nossas expectativas em relação ao timing do nosso empreendimento e nossa autocrítica.

Em Fevereiro de 2020, quando as primeiras conversas começaram a aparecer, a pandemia do Covid-19 paralisou o mundo e impactou o setor do turismo de forma avassaladora. Com fronteiras fechadas, por maior que fosse nossa preocupação com nossos familiares, não havia nada que pudéssemos fazer, a não ser esperar em Lisboa.

Aqui em Portugal a quarentena mais restrita foi de Março à Maio, e então, quando o estado de emergência acabou e o treino de ciclismo foi liberado, meu esposo e eu fomos furtados no primeiro pedal que fizemos juntos. Levaram nossas bicicletas e perdemos quase todo o equipamento de trabalho. Portugal é o terceiro país mais seguro do mundo e nem os policiais conseguiam acreditar no que tinha acontecido.

Estávamos prontos para desistir de tudo e ler esse furto como um sinal de que deveríamos voltar para o Brasil, abandonar o empreendedorismo e procurar a “estabilidade” do mercado corporativo. O valor de tudo que foi levado era alto demais e seria difícil voltar a trabalhar rapidamente, por mais que tivéssemos o privilégio de um planejamento financeiro para nossa mudança, esse montante não estava de forma alguma nos planos e traria ainda mais pressão para nossa empresa de cicloturismo.

Nesse momento a ajuda dos amigos foi essencial, foi só pelo apoio dos que nos amam e dos que estão ao nosso lado que conseguimos juntar os cacos, colocar a cabeça no lugar e não desistir de um sonho que nos levou a uma mudança de vida tão profunda. Muitos se juntaram e nos presentearam com alguns equipamentos, outros organizaram arrecadações de dinheiro e nós decidimos começar a vender camisetas de nossa marca para que continuássemos em Portugal criando experiências de ciclismo.

Quando conseguimos comprar novas bicicletas e com o ânimo refeito pelo carinho de todos, fizemos, como um rito de passagem, uma grande viagem de bicicleta. Pedalamos por mais de 740KM cruzando Portugal de Norte a Sul. Tudo foi registrado, desde os preparativos, até o retorno para Lisboa em vídeos que estão nas redes sociais da @solaz_cc.

Hoje, olhando para tudo o que aconteceu, percebo que o furto das bicicletas, de alguma forma, tirou um véu que havia sobre nossos olhos em relação às possibilidades de atuação que enxergávamos para a Solaz. Por uma questão de sobrevivência do negócio, fomos forçados a inovar, a olharmos para nós mesmos e para a forma como estávamos fazendo as coisas de maneira mais questionadora e criativa.

O casal na Estrada Nacional 2 – pelas estradas tranquilas do interior de Portugal, seguindo sempre em frente.

Coisas simples que poderiam ser feitas começaram a surgir e nos provocamos a ter novas ideias, sem nos limitarmos, sem achar que não daríamos conta. Por todo o apoio que tivemos, nós precisávamos ao menos tentar tudo que aparecia. Isso criou novos caminhos mentais, acessou lugares e iniciativas que não pensaríamos se não tivéssemos passado por essa crise de transformação.

Algumas situações intensificam nosso processo de aprendizagem e nos levam a perseguir uma motivação a mais para concretizar um sonho, um projeto, um empreendimento. Hoje eu realmente acredito que não teríamos evoluído ou persistido se não tivéssemos passado por cada situação que passamos e conhecido todas as pessoas que conhecemos durante esse processo.

Meu objetivo ao compartilhar essa minha experiência é evidenciar que há sempre uma nova abordagem para a situação que se está enfrentando, mas que podemos não acessá-la por alguma crença limitante que tenhamos ou por não estarmos acostumados a fazer as coisas de um outro jeito. Converse com apoiadores, procure ideias em outros tipos de negócios e fortaleça-se internamente. Medite, acredite numa energia superior e busque fora e dentro de você uma inspiração e a solução começará a se desenhar.

Por Grasiela Licório

Economista de formação, ex-bancária por resolução e pedala em busca de visuais apaixonantes.
Co-Sonhadora da @solaz_cc, tem como principal motivação incentivar mais mulheres a se fortalecerem através do ciclismo.

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